sábado, 2 de agosto de 2008

A corrupção pode amenizar as injustiças

I. Introdução

O presente artigo tem como objetivo mostrar que a corrupção pode ser um instrumento para amenizar as injustiças cometidas pelo Estado. Entretanto, antes disso, é importante analisar os princípios éticos que devem reger as relações humanas e se o Estado brasileiro é baseado nos mesmos.

II. Ética

A Ética nos mostra o que é certo e errado nas relações humanas, e é por isso a sua grande importância. Acreditamos que ela deve ser universal: todo ser humano deve seguir seus princípios. O perigo do relativismo é ceder a certas atrocidades que poderiam surgir num “sistema ético”[1], e para ilustrar isso vamos seguir o seguinte exemplo: os negros foram, durante muito tempo, escravos dos brancos, e se a ética fosse mesmo relativa, devendo respeitar a diversidade cultural, obviamente aqui estaríamos legitimando essa barbárie.

Esclarecido esse ponto, nos voltemos agora para o princípio da propriedade privada. Todo ser humano tem direito a decidir os rumos da própria vida. Sua vida é dele e ninguém pode tomá-la (a escravidão é a forma de tentar tomar a vida de alguém). Como conseqüência disso, os bens que cada pessoa consegue com seu trabalho honesto[2] também são um direito inalienável. Se você trabalha e compra determinado bem, ninguém possui o direito de tomá-lo, ou mesmo de obrigar que você pague uma quantia para ter o “direito de usá-lo”.

III. O Estado e as leis

Agora examinaremos se o Estado brasileiro é baseado na ética da propriedade privada. A Constituição Federal diz que a propriedade privada deve ser protegida, mas com um limite, que é a famosa “função social”. O que isso significa? Quando o governo julgar necessário para o bem-estar da sociedade deverá intervir na propriedade. Entretanto, tal princípio é contraditório: se a ética da propriedade trata todas pessoas igualmente, garantindo que todos têm direitos iguais, o bem-estar da sociedade é simplesmente que cada um tenha sua propriedade protegida, e não tomada. Temos que lembrar que “sociedade” é só um conjunto de indivíduos, e não um organismo com vida própria. Por isso não há “sacrifício” de alguns em prol do coletivo, o que o Estado faz quando intervém na propriedade é crime.

Então para o Estado ser legítimo terá que basear seus princípios na proteção da propriedade. Como ele pode fazer isso? Possuindo uma polícia e Justiça eficientes. Mas agora nos deparamos com dois problemas: a)se o Estado criar um monopólio nessas duas áreas estará desrespeitando a propriedade, pois terá que obrigar as pessoas a usarem seus serviços e impedirá outras pessoas de abrir livremente empresas para concorrer; b)terá também, óbvio, que ter dinheiro para sustentar os dois serviços, e para isso terá que cobrar impostos, e imposto é roubo, pois é o recolhimento de dinheiro sem o consentimento do dono. Sabemos que o Estado brasileiro não atua somente com polícia e Justiça, e sim também na educação, saúde, infra-estrutura etc. Além disso, os tributos chegam em quase 40% do PIB. Ou seja, mesmo excluindo os dois problemas apresentados (a e b) o Estado brasileiro ainda estaria longe de ser legítimo.

Mas agora pode ter surgido uma dúvida no leitor: ora, considerando que o problema do monopólio e dos impostos estejam corretos, é impossível não somente para o Estado brasileiro, mas para qualquer outro no mundo, possuir legitimidade. Pois é exatamente isso.

IV. Corrupção e Justiça

Esclarecidas as seções acima, podemos agora examinar o porquê da corrupção amenizar injustiças. O motivo de isso ocorrer é: o Estado brasileiro[3] criou e cria normas injustas, e estabelece que se não obedecermos seremos punidos com roubo (multa, indenização etc) ou seqüestro (prisão)[4]. Se corrupção é o desvio da conduta normal do funcionário do estado (visando geralmente um benefício próprio), então podemos pensar em situações que ela diminua injustiças.

Se, por exemplo, uma pessoa é parada numa blitz e o policial exija os documentos do carro e constate que o IPVA está atrasado, e por isso apreenda o veículo, vemos aí um notório caso de injustiça. O Estado exige que se pague uma quantia (IPVA) para que você possa usar um bem que comprou com seu próprio dinheiro! Isso é uma clara agressão à propriedade. Logo, se o policial aceitar receber um dinheiro para liberar a pessoa com o imposto atrasado, ele estará amenizando a injustiça, pois ela teria maior gasto e transtorno se o carro fosse apreendido.

Temos que deixar claro o seguinte: a corrupção, em casos como esse, pode amenizar injustiças, mas não acabar com a mesma. Pois ainda é injusto que se pague ao policial para liberar o carro, o correto seria que não existissem impostos e regulações.

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[1] Coloco entre parênteses porque normalmente as pessoas confundem um sistema ético com um sistema moral. O que dizem é que um sistema moral deve ser seguido como lei, que é exatamente o que critico.

[2] Trabalho honesto é o indivíduo conseguir bens ou dinheiro sem roubar ninguém, ou seja, não agredindo a propriedade alheia.

[3] Já chegamos a conclusão que qualquer Estado é ilegítimo, mas continuarei insistindo no Estado brasileiro para focar nas nossas questões locais.

[4] Sabemos que essas são as punições previstas nas normais estatais. Mas também sabemos que não é incomum o Estado usar o assassinato para punir quem o desobedece.