domingo, 23 de dezembro de 2007

Limite da propriedade

Está ocorrendo uma discussão interblogs sobre a legitimidade da propriedade. A pergunta inicial que gerou o debate foi: "pode A invadir a propriedade de D, para impedir B de matar C?" Teoricamente, seria fácil responder essa pergunta: "não". Pois é iniciação de agressão qualquer pessoa invadir a propriedade de outra sem seu consentimento. É fácil verificar isso: você, leitor, acharia justo algum desconhecido entrar na sua sem permissão? Claro que não. Porém, a questão é mais complexa, pois demonstra que se não houver limite no direito de propriedade, a própria estará em risco.

Imagine que Thiago é dono de uma ilha e mantém várias pessoas em trabalho escravo. Se levarmos o direito de propriedade ao extremo, poderíamos dizer que é errado pessoas invadirem a ilha para libertar os escravos, pois seria sem seu consentimento. Contudo, Thiago está violando o direito de propriedade sobre o corpo das pessoas que moram em sua ilha, e é esse o motivo que legitimaria uma invasão para acabar com o problema. Suponha também que Everton compre todos os terrenos ao redor da casa de Thiago. Mais uma vez, se levarmos a questão a extremismo, Thiago só poderá sair de casa com a permissão de Everton, porém, é facilmente perceptível que isso o privaria de sua liberdade de ir e vir. E é mais um caso onde cabe uma intervenção para resolver o problema.

Não pretendo aqui defender limites à propriedade, e sim limites ao direito de propriedade do proprietário que não respeite a propriedade alheia. Apesar de ser anarquista, e achar um absurdo a "troca de liberdade" por mais conforto e segurança que muitos defende, acho que o direito natural levado às últimas consequências pode resultar em transtornos e injustiças. Claro que estamos analisando tudo de uma ótica geral, pois, segundo o ideal lockeano¹, as comunidades organizariam suas próprias leis, e cada uma resolveria os problemas dos exemplos de sua forma.

¹ Muitas vezes a discussão se perde nas análises gerais de uma sociedade ideal, e não leva em conta que mesmo em comunidades liberais as pessoas organizariam suas próprias leis, que até poderiam levar à intervenções não defendidas pela filosofia liberal.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Sistema Jeffersoniano no Brasil









Acabo de terminar a leitura de Escritos Políticos, de Thomas Jefferson (1743 - 1823), numa edição da Abril Cultural, coleção Os Pensadores. Me chamou atenção o Sistema Jeffersoniano, de gradação de repúblicas, que acho que seria uma das maneiras de melhorar nosso sistema político.

Quem me conhece sabe perfeitamente que sou anarquista, contrário à existência do estado. Porém, acharia bem melhor se tivessémos um governo civil e limitado como defendem os liberais clássicos, pois este modelo é melhor do que o que vivemos hoje. O Sistema Jeffersoniano consiste numa grande república organizada por um governo central, governo este que cuidaria exclusivamente das relações econômicas internacionais. Repúblicas menores, que seriam os distritos nos EUA, seriam governadas diretamente pela população local. Esse sistema visa impedir que o governo da União se torne tirano e pesado, e dar a chance aos próprios cidadãos para resolverem seus problemas.

No Brasil

Jefferson defendia que a população pudesse participar diretamente do governo, inclusive elegendo autoridades como juízes e chefes de polícia. Para implantar isso no nosso país, primeiramente teríamos que ter consciência que não há motivo algum para que autoridades do estado sejam legalmente superiores. Juízes, promotores, políticos em geral, delegados etc; teriam que ter equivalência legal a um cidadão comum. Deveríamos acabar com foro privilegiado, salários altíssimos, prisão em circunstâncias especiais, imunidades e qualquer outra coisa que institucionalize a superiodade estatal sobre o povo.

Em segundo lugar, chefes de polícia, promotores e juízes também deveriam ser eleitos. Assim o povo poderia afastar todos os que usam o cargo em benefício próprio, obrigando-os a trabalhar e mostrar eficiência. Mas não custa lembrar que isso só seria viável em nível local, onde o cidadão poderia fiscalizar as autoridades de perto. A medida seguinte seria a auto-organização da população na sua defesa. Nada de burocratas subordinados a um poder em Brasília decidir como devemos defender nossas propriedades e famílias. Essas decisões cabem às comunidades, que deveriam organizar suas milícias e polícias de acordo com suas necessidades. Para isso, logicamente, as Forças Armadas estatais permanentes deveriam ser extinguidas.

Defesa

Muitos acham absurda a pequena menção de acabar com as Forças Armadas permanentes. Devo lembrar que nossas FA's possuem um histórico de golpes de estado e interferência constante na vida social. O Brasil, desde seus primórdios, vive sob vigilância militar, que julgando ser o dono de nossas vidas, decide despoticamente quando usar artifícios autoritários.

Devo dizer que não sou contra existência de FA's, e sim de sua organização pelo estado. O próprio povo é que deve organizar sua defesa, contratando empresas ou criando associações comunitárias de defesa. Alguns podem perguntar como tanta descentralização não iria atrapalhar na complexidade da organização que uma grande instituição militar exige. Devo lembrar que se os cidadãos quisessem manter um exército grande, de, digamos, 100 mil soldados, não haveria barreira para isso, desde que fosse uma decisão voluntária, onde o indivíduo pudesse cortar o financiamento no momento que desejasse. Se fosse assim, a instituição militar teria que mostrar eficiência, ou faliria.

A União

Como dito anteriormente, a União ficaria responsável apenas com as relações econômicas internacionais, isso no sistema jeffersoniano. Talvez esse seja um dos pontos que eu não concorde inteiramente. Claro, que se não houvesse essa atribuição, simplesmente a Confederação não existiria, só um bando de estados independentes. Entretanto, se a União seguisse um modelo pré-estabelecido, que seria derrubar todas as barreiras econômicas com outros países, não haveria problema algum.

Outra atribuição também seria, em tempos de guerra, da União criar uma coerência na organização de todas as defesas do país. Entretanto, vejo isso com certo receio, pois sabemos que vários governos usam as guerras e "ameaças externas" como desculpa para centralizar o poder e suprimir as liberdades civis. Se o governo da União tivesse que organizar a defesa, seria viável¹ então que se montasse um Conselho de Guerra onde todos os membros dos estados confederados tivessem poder de voto.

Apesar desse ponto é pouco provável que um país organizado no Sistema Jeffersoniano entrasse em conflitos internacionais, já que um princípio sagrado dessas idéias é o isolacionismo. Menos provável ainda fica quando lembramos que um país com economia aberta tem forte poder de influência nas relações econômicas internacionais (e como estamos falando do Brasil, que é tão rico em potencial, tememos um caso de conflito menos ainda) e, no caso de guerra, outros países não estariam interessados em atrapalhar a balança comercial mundial.

Conclusão

Para mim, a existência do estado é nociva. Entretanto, no citado modelo de Thomas Jefferson teríamos um limite muito grande para que a tirania fosse implantada e, assim, poderíamos ter tranquilidade e paz durante muito tempo. Infelizmente, modelos como esse estão há anos-luz do Brasil, já que nossa cultura política se baseia no patriarcalismo do Deus-Estado. Porém, isso não significa que movimentos sociais não possam ser montados para lutar por dias mais justos.


¹ Devo reforçar a lembrança que isso é se baseando na existência do estado, pois acredito que um sistema inteiramente privado seria mais eficiente.


domingo, 11 de novembro de 2007

Aliança para o Mal








Aliança é um município a 81 km do Recife, capital pernambucana. É um caso exemplar de como o poder político causa injustiças para a população. Poderia dizer muito bem, sem medo de errar, que o município hoje é uma mini-ditadura. Isso acontece por causa do poder dos Freitas, coronéis mordernos que dominam a área política do local.



Em abril desse ano a Justiça Eleitoral cassou o mandato do prefeito Carlos José Almeida Freitas, do vice-prefeito Pedro Francisco de Andrade Cavalcanti e da presidente da Câmara Municipal, Ana Maria de Almeida Freitas, todos dos PSDB. As denúncias são: fraudes no INSS, compra de votos e tráfico internacional de crianças. Entretanto, apesar de todos esses crimes, eles continuam mandando na cidade e empregados com os cargos de "assessores legislativos". A Câmara Legislativa da cidade só abre com a permissão da ex-vereadora Ana de Freitas, que possui as chaves da casa. Dos noves vereadores da cidade, sete são subornidades à ela.



O mais impressionante é que os Freitas conseguem controlar a população com ameaças e controle de informações. Eles já ameaçaram, das mais variadas formas, várias pessoas na cidade que sem poder se defender apenas se calam. Quando os jornais saem com alguma matéria política, funcionários da prefeitura compram todos os exemplares privando a população das notícias.



Usando de sua posição como vereadora, Ana Freitas convencia as gestantes pobres a entregar seus filhos para adoção, dizia que seria para parentes. Ela pegava as crianças, registravam com outros nomes no cartório e depois vendia para estrangeiros. Um deles confirmou à Polícia Federal que ia pagar 7500 dólares. No caso do INSS, ela obrigava as pessoas irem tirar dinheiro do banco e entregar uma parte para ela. Maria de Souza, 60 anos e pensionista, foi obrigada à entregar 441 dos 941 reais que tirou em 1993. Hoje ela processa a vereadora, que responde todos os crimes em liberdade.



Vemos como uma família pode usar o poder político para dominar uma população. Eles são a lei, a ordem e a justiça. Já temos a prova que o fato de ser cassado nada significa, pois os coronéis apenas deixam o poder nas aparências. Eu me pergunto até quando alguns vão defender esse poder institucionalizado e colocar suas vidas nas mãos de pessoas como os Freitas.



Nota: Leiam o Diário de Pernambuco, de 11 de novembro de 2007.




sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Conceito de Estado no Marxismo

O Erick, amigo meu, me abriu os olhos para um ponto: o conceito de estado que eu usei no último texto. Pensando nisso, resolvi esclarecer algumas definições.



_





Argumentei no texto O Elitismo Marxista, que Karl Marx (1818 - 1883) errou ao dizer que a sociedade sem estado seria alcançada por uma transição liderada pelo mesmo. Entretanto, eu não usei a definição do próprio para construir a crítica, e sim a que é mais aceita no estudo da Teoria Geral do Estado (com suas pequenas diferenças): o estado é a entidade jurídica com o monopólio das leis e do uso da coerção para fazer valer sua supremacia.

Para Marx, o estado é a institucionalização das classes. Eu concordaria com o pensador se ele dividisse essas classes em dominantes e dominados. Entretanto, pressupõe-se que ele estava falando de burguesia e proletariado e, com o fim do estado, só sobraria a segunda. Por isso ele defendia a ditadura de proletariado, que suprimiria a propriedade dos burgueses e organizaria os meios de produção nas mãos dos trabalhadores. Essa teoria se sustenta na suposição que cada classe defenderia seus interesses, independente do indivíduo. Ou seja, segundo ele, seria impossível um burguês defender interesses que não o da sua classe.

Obviamente que essa teoria é cheia de falhas. A mais irônica é que Marx não poderia ser considerado do proletariado (ele era de "classe média"), ou seja, segundo ele mesmo, não poderia elaborar teorias que atendesse os interesses dos trabalhadores¹. Também podemos citar o criador do termo socialismo, Robert Owen, que, mesmo sendo industrial, montou uma colônia socialista nos EUA. Outra falha é a possibilidade de aliança de interesses entre pobres e ricos (para substituir "burguês" e "proletário"), e a História mostra vários exemplos disso (já que a teoria de Marx tenta estabelecer regras para o estudo da mesma). Sabendo disso, podemos concluir que o estado é a institucionalização de uma classe dominante sobre seus súditos, e esses podem ser formados por pessoas pobres ou ricas.

Enfim, resolvi esclarecer esse ponto, pois no texto anterior a definição de estado não é marxista².




¹ Fonte: "Mind, Materialism, and the Fate of Man", Ludwig von Mises.
http://www.endireitar.org/content/view/190/88/
² Aliás, posso afirmar que a definição que usei no outro texto é do marxismo vulgar, e não do marxismo de Marx.

domingo, 4 de novembro de 2007

O Elitismo Marxista





Nascido como movimento e ideologia antielitista, o marxismo se tornou, ironicamente, o sistema social com maior intensidade de formação de uma poderosa elite política. Esse fim desastroso deve-se tanto aos erros de Karl Marx quanto à vulgarização e massificação de sua doutrina.

Marx pregava o fim da propriedade privada e a formação de um sistema onde os trabalhadores dividiriam a produção de acordo com suas necessidades. A propriedade seria coletiva e não haveria "patrões": as decisões seriam tomadas em conjunto. Marx chamou esse sistema de comunismo. Entretanto, antes de chegar a esse fim, o pensador defendia uma transição liderada pelo estado que suprimisse a propriedade privada e fosse guiada pelos trabalhadores. Estes últimos tomariam o poder através do uso da violência, conquistando à força o poder estatal.

Porém, Marx falhou ao não perceber a impossibilidade do estado atender aos interesses dos trabalhadores, já que a máquina estatal era (e ainda é) a causa da pobreza dos mesmos. Aonde está fundada essa impossibilidade? Na origem do estado¹.

O estado é uma entidade controlada por uma elite política que usa seus poderes monopolísticos para atender seus próprios interesses. É a institucionalização da conquista dos fortes sobre os fracos². O governo não existe sem que um grupo político o controle, e mesmo que todo esse grupo trabalhe para resolver os problemas dos seus súditos³, ainda haverá o privilégio do monopólio, ou seja, a caracterização do domínio. Quanto mais totalitário um estado, isto é, quanto menos se admite oposição, mas fica claro esse domínio. E Marx pregava que os trabalhadores dominassem o estado e não admitissem outra posição senão a comunista. Primeiramente, nós vemos que a História mostrou que, apesar tomada do poder pelos comunistas em várias revoluções, houve, ao contrário do que Marx previa, uma centralização gigantesca formando poderosíssimas elites políticas. Há quem diga que não houve aplicação correta do marxismo, porém, a verdade é que a utilização do estado para criar uma nova idéia culminou na sua progressão natural: a formação de uma elite. Em segundo lugar, como os países comunistas não aceitavam oposição, o estado cresceu de tal forma que ficou impossível alcançar o fim último do marxismo: o desaparecimento da tutela governamental e a formação do sistema comunista.

Por esse motivo Marx foi acusado de traidor por outros autores socialistas e anarquistas: ele erroneamente pregou que o estado poderia fazer a transição para o seu próprio fim. Ao contrário da teoria marxista, os anarco-individualistas diziam que para se livrarem dos grandes proprietários protegidos pelo governo, os trabalhadores teriam que lutar pelo fim deste último, e não sua tomada e, consequentemente, engrandecimento.

¹ Depois eu vou escrever um texto só sobre a origem do estado.
² Eu indico O Estado, de Franz Oppenheimer.
³ Pois é o que na prática somos.